REINOS
DA COMUNICAÇÃO
DOIS REIS E SEUS
SÚDITOS
Por Leo Ricino*
Insisto em
dizer que as palavras, as letras e os números escritos são as três maiores e insuperáveis
invenções da Humanidade. No caso das letras,
por possibilitarem a visualização gráfica das palavras, nos deram o advento da
História, através do registro escrito dos acontecimentos ao longo do percurso
de nossa espécie. (Gostaria de observar que até o advento das letras, as palavras só eram
ouvidas ou representadas por pinturas ou outras formas. Veja na CPLP nº 40 o
artigo "Você também acredita em milagres", no qual exponho o ensinamento de
Jeronymo Soares Babém arbosa, gramático do século 19, sobre as etapas da evolução da
comunicação humana).
Segundo a antropóloga Rose
Marie Muraro, num excelente estudo, intitulado Breve Introdução Histórica, inserto
nas páginas iniciais do livro ‘O Martelo das Feiticeiras’, 16ª ed. Ed. Rosa dos
Tempos, Rio de Janeiro, 2002, dos inquisidores medievais Heinrich Krammer e
James Sprenger, o homem habita a Terra há dois milhões de anos. Já
a escrita, como a entendemos hoje, existe há, mais ou menos, cerca de três mil
e quinhentos a quatro mil anos. Ora, possivelmente exista ― mas eu desconheço ―
algum estudo que compare o desenvolvimento do ser humano antes e depois da
escrita. No entanto, tenho para mim que deve haver uma distância geométrica
entre todo o período de evolução pré-histórica e a histórica. Em outras palavras, o que a Humanidade
evoluiu nos quase três a quatro mil anos da escrita é absurdamente superior a
todo o período sem escrita. Ou seja, quando foi possível armazenar
pormenorizadamente, através da escrita, o conhecimento, a evolução deslanchou
infrene.
Também não conheço nenhum estudo que
hierarquize as palavras, pela importância de cada classe gramatical. De fato, todas nos são indispensáveis e
extremamente úteis. Todavia, sem desprezar qualquer das classes, principalmente
os pronomes pessoais ou as interjeições ― que disputam o privilégio de serem as
primeiras palavras faladas, segundo alguns autores ― creio que dá para perceber
certa nobreza em determinadas delas, como o substantivo, o verbo, o adjetivo e
o advérbio. A ideia aqui é discorrer
sobre alguns empregos dois principais súditos dos reinos do discurso: os nobres
adjetivo e advérbio.
REINOS DO DISCURSO
Todos sabemos que, no campo do
discurso, em relação ao conjunto das palavras ─ ou, se preferir, à estrutura
física basilar ─, há dois reinos bem definidos, com seus monarcas
indiscutíveis: o das substâncias e qualidades, cujo rei é o substantivo; e o dos acontecimentos, cujo rei é o verbo.
Substância
é qualquer espécie de matéria, algo que subsiste por si mesmo,
independentemente da imaginação do
Homem. As substâncias são captadas, basicamente, pelos órgãos de sentido; são
ponderáveis (tangíveis ou intangíveis ― nesse segundo caso, muitas vezes excluindo-se
parcialmente o tato, em relação à possibilidade de manuseio: o vento, por
exemplo, não o retemos nas mãos, mas o sentimos na pele) e naturalmente
contáveis. Os substantivos que as designam são os concretos.
Já as qualidades são perceptíveis pelas impressões, não
são ponderáveis nem contáveis. Assim é que uma pintura artística, um quadro, por
exemplo, é tangível e contável (mesmo sendo ser único), mas a beleza que há
nela somente nossas impressões conseguem ordená-la em nosso cérebro, ou seja, algo
abstrato, incontável e dificílimo até de
explicar para outro ser, o qual necessariamente terá outras impressões. As qualidades são, pois, designadas pelos
substantivos abstratos.
No reino das substâncias e qualidades, o rei absoluto
(sim, há monarquia absoluta nos dois reinos) é o substantivo, o nome de todos os seres, coisas e qualidades. No reino dos acontecimentos, o rei absoluto é
o verbo.
OS SÚDITOS DO REI
SUBSTANTIVO – OS DETERMINANTES
O substantivo, esse poderoso monarca,
dispõe de quatro súditos fiéis ― adjetivo, artigo, numeral e pronome ―, que o
acompanham em gênero e número, fenômeno a que chamamos concordância nominal. Dentre
esses quatro auxiliares, aquele que pertence à nobreza é o adjetivo. Para se
perceber a importância do adjetivo, mesmo sempre submisso a seu rei, basta
dizer que ele não atua constantemente como determinante do substantivo. Defino
determinante como aquele súdito cuja finalidade é especificar ─ talvez se diga
melhor confirmar, corroborar ─ certas características atribuídas aos
substantivos. Para
esclarecer melhor, peguemos os substantivos assexuados. Ora, gênero é uma
categoria gramatical própria dos substantivos.
No entanto, gênero só deveria existir para os seres sexuados. Ou seja, o
substantivo será enquadrado como masculino se representar ser do sexo
masculino; será do gênero feminino se representar ser do sexo feminino. Atribuir, portanto, gênero masculino ou
feminino a qualquer substantivo que represente ser assexuado beira ao ilógico. No
entanto, os humanos somos seres comparativos e, no caso da nossa língua, nosso espírito
lusófono-lusógrafo (com perdão desse neologismo lusógrafo, aquele que escreve
em português) se encarregou de atribuir um desses gêneros aos seres assexuados
também. Mas tal escolha e definição foi absolutamente aleatória, sem qualquer
critério pré-definido. Assim, estabeleceu-se que cadeira, mesa, máquina, etc. são substantivos
femininos; e que armário, lápis, computador, etc. são masculinos.
NEM
SEMPRE FOI ASSIM
Como
a definição de gênero de substantivos que representam seres assexuados é
aleatória, há sempre possibilidade de variação ao longo do percurso histórico
da nossa língua. Assim, mapa, planeta, fim, êxtase, cometa, estratagema, sínodo,
todos masculinos atualmente, já foram femininos. É mesmo até muito difícil
imaginar que alguém, num passado remoto, tenha usado A mapa, A planeta, etc. Para
contrabalançar, aleluia, árvore, bagagem, base, coragem, frase, homenagem, linguagem, origem, pirâmide, todas
femininas, já foram masculinas. Difícil aceitar O árvore, mas já foi assim. Fantasma, metamorfose, personagem,
cisma, torrente, tribo, diadema eram usadas ora como masculinas,
ora como femininas pelos autores. Hoje, algumas são masculinas (fantasma e diadema), outras femininas. Cisma,
quando tem o sentido de divisão, de rompimento, é masculino; com o sentido de
ideia fixa, mania, é feminino.
Pois bem,
aqui entra o papel daquelas palavrinhas às quais estou chamando determinantes,
que é simplesmente confirmar essa escolha feita pelo espírito humano lusófono-lusógrafo.
Assim, se definimos que tal substantivo assexuado é feminino, o determinante
artigo, por exemplo, obrigatoriamente ratifica essa definição. Por isso, a cadeira, a mesa, a máquina, etc.
Essa mesma atuação corroborativa dos artigos ocorre com os pronomes e numerais.
Esse papel dos determinantes é tão fundamental nessa confirmação que, se eles não acompanharem o substantivo assexuado, esse necessariamente passa a ter gênero neutro. É por isso que fazemos concordâncias nominais como
“É PROIBIDO ENTRADA” “CLARA DE OVO É BOM PARA FAZER BOLO” “CERVEJA É ÓTIMO COMO DIURÉTICO”
Esse papel dos determinantes é tão fundamental nessa confirmação que, se eles não acompanharem o substantivo assexuado, esse necessariamente passa a ter gênero neutro. É por isso que fazemos concordâncias nominais como
“É PROIBIDO ENTRADA” “CLARA DE OVO É BOM PARA FAZER BOLO” “CERVEJA É ÓTIMO COMO DIURÉTICO”
nas quais os substantivos ENTRADA, CLARA e CERVEJA, por não virem acompanhados de
determinantes, estão na sua forma pura,
sem gênero gramatical e, portanto, neutros. Em todas as frases acima, o adjetivo está no
gênero neutro (semelhante ao masculino) porque o substantivo com o qual ele tem
de concordar também é neutro. Se usarmos um determinante para confirmar o
gênero escolhido pelo espírito humano lusófono-lusógrafo para os substantivos
acima, aí outra concordância se fará:
“É PROIBIDA A ENTRADA” “ACLARA DE OVO É BOA PARA FAZER BOLO ” "ACERVEJA É ÓTIMA COMO DIURÉTICO”
“É PROIBIDA A ENTRADA” “ACLARA DE OVO É BOA PARA FAZER BOLO ” "ACERVEJA É ÓTIMA COMO DIURÉTICO”
Em todas essas,
o gênero foi corroborado pelos determinantes e, por isso, nelas o adjetivo
assume a forma da concordância regular (ou seja, palavra com palavra, como
ocorre com os neutros também). Desse
papel determinante do artigo, do numeral e do pronome, o adjetivo, pela sua
nobreza, é naturalmente dispensado; todavia, às vezes, por falta de um dos
três, ele o desempenha, como ocorre no cartaz ‘ENTRADA PROIBIDA’ afixado numa porta qualquer, em que ele confirma o gênero
feminino do substantivo ENTRADA.
ADJETIVOS DETERMINATIVO,
RESTRITIVO e EXPLICATIVO
De fato, adjetivo propriamente dito é
um hiperônimo dentro do qual se encaixam os hipônimos artigo, numeral e
pronome, além do próprio adjetivo. Ou
seja, todos os súditos do rei substantivo são chamados adjetivos.
OBS.: Hiperônimo é o substantivo mais genérico dentro do qual se encaixam outros da mesma espécie, porém mais específicos. Assim, por exemplo, móvel é hiperônimo para mesa, cadeira, sofá, armário, etc., que são seus hipônimos, nomes específicos que se encaixam num nome genérico.
Nesse sentido, adjetivos representados, por exemplo, pelos determinantes, colocados sempre antes dos substantivos, não os qualificam distintivamente, mas apenas indicam definição, indefinição, quantidade ou qualidade.
Por exemplo, na frase DOIS DE MEUS PRIMOS DE PARIS VIAJAM MUITO, o elemento DOIS refere-se a PRIMOS apenas como quantidade; já MEUS indica a qualidade indicativa de posse. São meros adjetivos determinativos, chamados em gramática de numeral e pronome possessivo, respectivamente. Já aos adjetivos restritivo e explicativo lhes cabe papel mais importante. O primeiro, restritivo, além de qualificar o substantivo, distingue-o de outros substantivos da mesma espécie. Na frase acima, a locução adjetiva DE PARIS (parisienses) qualifica e distingue PRIMOS de outros primos. E o adjetivo explicativo funciona como uma espécie de epíteto não distintivo do substantivo. É o que ocorre com o adjetivo frio referindo-se a gelo; ou com escuro referindo-se a noite. Não há distinção: todo gelo é necessariamente frio; toda noite é necessariamente escura.
OBS.: Hiperônimo é o substantivo mais genérico dentro do qual se encaixam outros da mesma espécie, porém mais específicos. Assim, por exemplo, móvel é hiperônimo para mesa, cadeira, sofá, armário, etc., que são seus hipônimos, nomes específicos que se encaixam num nome genérico.
Nesse sentido, adjetivos representados, por exemplo, pelos determinantes, colocados sempre antes dos substantivos, não os qualificam distintivamente, mas apenas indicam definição, indefinição, quantidade ou qualidade.
Por exemplo, na frase DOIS DE MEUS PRIMOS DE PARIS VIAJAM MUITO, o elemento DOIS refere-se a PRIMOS apenas como quantidade; já MEUS indica a qualidade indicativa de posse. São meros adjetivos determinativos, chamados em gramática de numeral e pronome possessivo, respectivamente. Já aos adjetivos restritivo e explicativo lhes cabe papel mais importante. O primeiro, restritivo, além de qualificar o substantivo, distingue-o de outros substantivos da mesma espécie. Na frase acima, a locução adjetiva DE PARIS (parisienses) qualifica e distingue PRIMOS de outros primos. E o adjetivo explicativo funciona como uma espécie de epíteto não distintivo do substantivo. É o que ocorre com o adjetivo frio referindo-se a gelo; ou com escuro referindo-se a noite. Não há distinção: todo gelo é necessariamente frio; toda noite é necessariamente escura.
SUA MAJESTADE,
O VERBO, O REI DOS ACONTECIMENTOS, E SUA ALTEZA, O ADVÉRBIO
No reino dos acontecimentos, o rei
absoluto é o verbo, palavra que indica o fato principal na cadeia de
comunicação. Seu súdito é o advérbio, do qual falaremos a seguir. Ao advérbio
coube o papel da representação das circunstâncias. Circunstância é o
acontecimento secundário que acompanha o acontecimento principal, aplicando-lhe
uma espécie de contexto. Ou seja, circunstância também é acontecimento, só que
secundário. Assim,
“chover” é um acontecimento, mas em “Sempre chove muito em Ubatuba” já há um
acontecimento principal (“chover”) acompanhado de três acontecimentos secundários
(tempo, “sempre”; intensidade, “muito”, e lugar “em Ubatuba”). Advérbios,
portanto, de tempo, de intensidade e de lugar.
O QUE DIZ UM MESTRE
Jeronymo
Soares Barbosa, na ‘Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza’, 4.ª ed,
Lisboa, 1866, passa a impressão de que trata o advérbio como palavra de menor
importância. Mas é só impressão. Assim ele o define:
“Adverbio não é outra coisa mais do que uma reducção ou expressão
abreviada da preposição com seu complemento em uma só palavra indeclinável.” (p. 222)
E, alegando
querer evitar confusões em relação ao advérbio propriamente dito, distinguindo-o
de ‘nomes adverbiados’ e de ‘expressões ou fórmulas adverbiais’, já que ele se mantém na posição de que
advérbio necessariamente é palavra única e invariável, insiste que:
“O adverbio é uma reducção da
preposição com seu complemento em uma só palavra, e essa invariavel, e sem
outro uso na lingua. Por exemplo, o adverbio aqui comprehende em si a
preposição em, e o seu complemento é este logar, como se dissessemos:
n’este logar ” (p. 223)
OBS.: “Nomes
adverbiados”, para esse autor, é o adjetivo que, na sua forma neutra (parecida
com o masculino), é empregado como advérbio: “Certo perdeste o senso!”. Nessa frase, o adjetivo CERTO equivale a
CERTAMENTE. É, pois, um nome adverbiado.
“Expressões
ou fórmulas adverbiais”: peguemos a expressão às cegas. O autor a denomina
expressão adverbial porque, ao contrário do advérbio ‘cegamente’, ela traz
oculto um substantivo que faz parte da expressão toda: “às apalpadelas cegas”.
Suprimiu-se o substantivo e o restante é chamado de expressão adverbial. Atualmente não passa de uma locução
adverbial, no caso, de modo.
USOS E ABUSOS DO
ADVÉRBIO
Tenho dito
nos vários artigos que produzi para esta Revista que língua é um sistema nada
preso a regras, ou seja, paradoxalmente, um sistema quase assistemático. Ela, como ser vivo, depende muito dos usos e
costumes, elementos que realmente estabelecem as normas gramaticais. Então, é
comum o próprio professor de língua portuguesa ficar confuso em determinadas
situações de emprego de certas palavras, incapaz de enquadrá-las no quadro
geral das dez funções sintáticas.
OBS.: Função é o papel que um ser desempenha em relação a outros seres. No caso das palavras, elas desempenham dez funções sintáticas: sujeito, predicado, predicativo, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, agente da passiva, adjunto adverbial, adjunto adnominal e aposto.
O advérbio é mestre nessa variação de usos na língua. Alguns advérbios saltam feito milho de pipoca de um emprego para outro, mas sempre acabam se encaixando tão bem em novas circunstâncias ou até noutros usos, expressando muito bem aquilo que era a intenção do usuário da língua. Aqui, darei uma amostra, meio que aleatoriamente, de alguns desses usos.
OBS.: Função é o papel que um ser desempenha em relação a outros seres. No caso das palavras, elas desempenham dez funções sintáticas: sujeito, predicado, predicativo, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, agente da passiva, adjunto adverbial, adjunto adnominal e aposto.
O advérbio é mestre nessa variação de usos na língua. Alguns advérbios saltam feito milho de pipoca de um emprego para outro, mas sempre acabam se encaixando tão bem em novas circunstâncias ou até noutros usos, expressando muito bem aquilo que era a intenção do usuário da língua. Aqui, darei uma amostra, meio que aleatoriamente, de alguns desses usos.
1 JÁ = MAS – ou seja, o utente da língua pega
o advérbio já e o transforma numa
conjunção adversativa: “Ela sempre
trabalhou; já o irmão nem pensa
nisso!”.
2 DEPOIS = ALÉM DO MAIS; POR OUTRO LADO: “Eu não queria; depois já era tarde mesmo!”.
3 CÁ = EXPLETIVO: “Eu cá sei o que digo!”, “Ouve cá e fique quieto.”
4 LÁ = EXPLETIVO: “Isso lá é verdade!”, “E eu lá
sei disso!”
OBS.: Expletivo é palavra ou partícula usada apenas para
dar realce, ênfase, sem qualquer função sintática. Quando digo “Nossa! Olha só
o que aconteceu aqui!”, esse “só” é elemento reforçativo, sem função sintática.
A mesma coisa ocorre com a expressão “É QUE” em “Ele é que cometeu tais
erros!”. Em ambos os casos, se o falante não quisesse expressar a ênfase, as
duas expressões não seriam empregadas.
5 MUITO
(precedido de QUANDO) = E OLHE LÁ: “Essa garota tem uns dezessete anos, quando muito!”
6 MAIS = E: “Estava o Paulo mais a esposa” (Esse é um uso
nordestino)
) ALI = INDEFINIÇÃO DE TEMPO: “Ali por janeiro, refaremos os
cálculos.”
OUTROS CASOS CURIOSOS
Haveria
muitos outros casos a colocar, mas o espaço é restrito. No entanto, é preciso
destacar alguns poucos casos curiosos. Um desses casos é com o advérbio NÃO.
Em determinadas frases, ele aparece repetido, reforçando a negação:
─ Você viu aquele filme?
- Não vi, não.
A impressão
que se tem é que, para o produtor da frase, às vezes, o NÃO está desgastado para as negativas e ele o reforça, repetindo-o,
como no exemplo acima. É fenômeno, no entanto, típico da fala.
OBS: Só como adendo, um caso curioso no Brasil é também o emprego do verbo como advérbio de afirmação (equivalente a SIM), formando o que se chama eco:
─ Você viu aquele filme?
─ Vi.
OBS: Só como adendo, um caso curioso no Brasil é também o emprego do verbo como advérbio de afirmação (equivalente a SIM), formando o que se chama eco:
─ Você viu aquele filme?
─ Vi.
Outro emprego curioso do advérbio NÃO é como elemento afirmativo,
situação em que ele vira um expletivo ― elemento enfático. Isso ocorre
principalmente em frases exclamativas, nas quais o produtor delas extravasa seu
inconformismo. Veja:
“Quantas
pessoas NÃO morreram nas várias
guerras mundiais!”
Ao
contrário, essa frase, que não é negativa, corresponde à afirmação enfática e
exclamativa de que muitas pessoas morreram durante as várias guerras
mundiais. E nem vou falar neste artigo
do POIS NÃO e do POIS SIM, já tão discutidos por outros.
O ADVÉRBIO “AÍ” COMO
MULETA DA INSEGURANÇA
O verdadeiro
motivo de eu ter produzido este artigo está no fato de eu ser um contumaz
ouvinte de rádio. Mais que isso: um viciado ouvinte de rádio. Como tal, vou
sentindo as transformações da fala dos locutores ao longo dos anos, pois meu
vício vem desde a longínqua Copa do Mundo de 1958. Nos
últimos dez a quinze anos, sempre que um radialista tem pouca certeza dos
argumentos do seu discurso, ou pouco conhecimento de determinado assunto e se
mete a comentar, ele se escora na muleta do AÍ. Então, começam a surgir coisas desagradáveis como:
“Espero
aí que o governo tome suas
providências” “Até
o momento o governo não apresentou aí
qualquer explicação coerente para o vultoso prejuízo da Petrobras.”
“Voltou a chover e voltou aí a esperança de aumentar o índice do Cantareira...”
“Vai esfriar novamente e vamos sentir um friozinho aí para amenizar esse calor constante.”
“Voltou a chover e voltou aí a esperança de aumentar o índice do Cantareira...”
“Vai esfriar novamente e vamos sentir um friozinho aí para amenizar esse calor constante.”
Nas duas
primeiras frases, o AÍ não recupera
nenhum lugar ou argumento anterior citado.
É apenas a expressão de falta de segurança de alguém que não se julga
preparado para expor uma opinião com firmeza.
Nas duas últimas, transcrevi a fala de um rapaz que fornece informações sobre o tempo numa rádio de São Paulo. O AÍ que ele usa também não recupera lugar ou argumento algum nem indica consequência ou conclusão. É vício e mesmo da insegurança. Nos dois casos, é a tal muleta, principalmente de falantes titubeantes.
Nas duas últimas, transcrevi a fala de um rapaz que fornece informações sobre o tempo numa rádio de São Paulo. O AÍ que ele usa também não recupera lugar ou argumento algum nem indica consequência ou conclusão. É vício e mesmo da insegurança. Nos dois casos, é a tal muleta, principalmente de falantes titubeantes.
Longe de mim
querer esgotar assunto tão palpitante. Foi apenas ligeira amostra das
possibilidades da língua, quando ela é explorada nos seus aspectos emocionais e
espontâneos, principalmente na fala. O VOLP atual, de 2009, diz apresentar
cerca de trezentos e cinquenta mil vocábulos. E todos eles se encaixam numa das
dez classes de palavras, cada uma com sua finalidade. Sim,
as palavras apresentam finalidade. Assim, o substantivo foi criado com o
intuito de nomear seres, qualidades e coisas; o verbo indica os acontecimentos;
as preposições e as conjunções nasceram com a finalidade de conectar e
estabelecer relações, etc.
Todavia, o espírito humano acaba deslocando as palavras de suas finalidades iniciais e lhes dão outras aplicações. Com isso, criam estilos e formas diferentes e até inusitadas de expressão, enriquecendo a língua. Quando isso ocorre com grandes literatos, somos presenteados com obras-primas que nos deleitam. Só nos resta agradecer, curtir os presentes desses artistas das palavras e devorá-los.
Todavia, o espírito humano acaba deslocando as palavras de suas finalidades iniciais e lhes dão outras aplicações. Com isso, criam estilos e formas diferentes e até inusitadas de expressão, enriquecendo a língua. Quando isso ocorre com grandes literatos, somos presenteados com obras-primas que nos deleitam. Só nos resta agradecer, curtir os presentes desses artistas das palavras e devorá-los.
*Prof. Leo Ricino – mestre em Comunicação e Letras, professor
na Fecap – Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado e instrutor na
Universidade Corporativa Ernst & Young.